quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

História 73

-Eu sou estúpido. Repete.
-Eu sou estúpido. Era bem verdade.
-Eu tenho uma rapariga linda do meu lado.
-Eu tenho uma rapariga linda do meu lado. Não concordava. Eras muito mais.
-Eu sou bonito.
-Eu sou bonito. Naquela altura não tinha qualquer interesse. Tu estavas do meu lado. Era o que mais queria.
-Eu gosto muito da minha princesa.
-Eu gosto muito da minha princesa. Princesa, Rainha, miúda, flor de estufa eras sempre tu e só tu.
-A minha princesa gosta muito de mim.
-A minha princesa gosta muito de mim. Isto estava bem penetrado na minha mente. Se não gostasses não passavas o que passaste comigo nem sofrias o que sofreste. Fiz-te sofrer. Muito. Sabia disso. Estúpido.
-Adoro dormir.
-Adoro dormir. Outra grande verdade.
-Adoro ainda mais dormir com ela.
-Adoro ainda mais dormir com ela. Esta sim. Esta era a verdade verdadeira. Nem era pelo que fazíamos na cama. Era pelo que sentia na cama. Adorava mesmo cada suspiro teu, cada respiração mais funda quando olhava para ti. O que mais gostava era quando acordávamos mais cedo do que era suposto. Eu e tu. Tu e eu. Tu com a cabeça no meu peito. Eu a passar-te a mão pelo cabelo. Não gostavas que ninguém te mexesse no cabelo. Nem eu podia mexer mas, ali podia. Ali era diferente. Fomos sempre diferentes. Naquelas manhãs em que víamos o sol mais cedo do que era suposto, falávamos os dois. Minha querida o quanto eu gostava de falar contigo. Não era só ali, mas ali gostava mais. Ali só te ouvia a ti. A ti e ao teu coração. Puro. Foi tal pureza que me conquistou primeiro. Só depois vieste tu. E vieste bem.
-EU AMO-TE!
-....... Já esperava que isto fosse acontecer. Para quê fazer isto numa manhã de quarta-feira?? Não estás bem no meu peito? Nunca te irei perceber. Mais uma verdade.
-Então? Não dizes nada?
-Não vamos começar pois não? Detestava quando começavas com isto logo pela manhã. Estragavas-me o resto do dia. Sabias disso. E sabia-lo bem. Fazias isto não era para eu ficar chateado contigo porque afinal de contas não tinha razão para tal. Fazias para me ajudar. Fazias muito por mim.
-Começar o quê? Custa dizer que me amas? Ou não é a verdade?
Saíste do meu peito. Ergueste-te levando o lençol contigo. Eras perita em o que não te pertencia contigo sem dizer nada a ninguém.
-Sabes bem qual é a verdade. Sabemos ambos a verdade.
-Então diz. Anda lá!
-Oh. Lá estamos nós com o mau feitio. Eu sabia muito bem que tu odiavas quando dizia isto. Era fugir do assunto. Eu não podia fugir deste assunto. Mas fugi e fugia. Tu não fugias deste assunto. Mas fugias. Fugias algumas vezes, o que me vale é que sabia que tu voltavas para me devolveres o meu coração.
-Não sejas assim e diz. Só sais daqui quando o fizeres.
Eu ria-me. Deitado e ria-me. Sabias bem que eu ia sair dali sem o dizer mas, tu eras assim, já estavas mentalizada em dizer aquilo e em não receber nada em troca. Tal e qual quando íamos para a praia e por volta das sete, sete e tal me dizias: "Bem são sete e pouco. Últimos raios de sol e vamos embora. Está bem?". Sabias bem que dizer isto significa eu pegar em ti e levar-te, á força, para o mar. Tu gritavas. Estúpido. Estúpido era o que me chamavas. Depois quando caiamos em tal água salgada mudavas de opinião. Agora era idiota. "Idiota, não gosto nada que me faças isto." e saias da água, ajeitavas o biquíni. Olhavas para mim na água e sorrias. Eu sabia que tu gostavas e tu sabias que eu sabia. Fazias aquilo por fazer. Era uma espécie de alarme para te levar á água de tal forma. Eu saia da água e dizia-te "Sabes bem que não me enganas ao dizer que não gostas. Se me queres enganar não olhes para trás e muito menos não te rias para mim." olhavas para mim já enrolada na toalha e vinhas com o "É a tua sorte!". Oh minha querida a minha sorte eras tu.
-Sabes bem que o que sinto. Não é preciso nada disto. Errado. Era bem preciso. E muito. Já iam dois anos e meio de namoro "sério" e da minha boca nunca tinha saído um "Amo-te!" dirigido a ti. É verdade. Não sei como chegamos a este ponto mas chegamos. O que mais admirava é que tu mesmo passado este tempo todo continuavas e, ainda bem, do meu lado.
-Não percebo. Não me entra na cabeça porque é que não dizes. E ias tomar banho.
Eu punha as mão na testa. Bocejava. Eu era diferente. Tinha medo do verbo amar. Parece estranho termos medo de um verbo tão único e ao mesmo tempo arrebatador como o verbo amar. Eu tinha medo. Não dizia amo-te aos meus amigos como eles me diziam a mim em mensagens. Não dizia amo-te ao meu avó nem quando ele teve um AVC. Não lhes dizia. Para mim, gostar gostava deles é verdade. Gostava muito que ninguém duvide. Agora não entendi o porque de utilizar o verbo amar? Para mim era como comprar quarenta pacotes de pastilhas, para quê? Se só consigo comer um pacote. Para dizer que tenho? Tenho um pacote e chega bem. Era como o amar. Para que utilizar o "amo-te" quando me dizem "Grande noite na tua companhia meu irmão. Amo-te!". Para quê? O gosto muito de ti não chegava? Ou então metam um < seguido de um 3. Prefiro. Prefiro muito mais.
Cheirava-me a chocolate com um toque de baunilha e de flores de campo.

Eras tu. Não me enganavas. Adoravas aquele creme. Pelos vistos eu também. Agora fui eu tomar banho e fazer a barba. Detesto ter barba. Ainda para mais cresce de pressa. A minha sorte é nascer certa e já estar tão habituado a fazê-la que agora já não dou por isso.
Quando voltava ao quarto apanhava-te quase sempre com o mesmo dilema. O que ias levar hoje vestido?! Tu já não me perguntavas porque já sabias a minha resposta. Mesmo assim esperavas sempre que eu te ajudasse. Tu ajudaste-me mais. Muito mais. Oh, minha querida como eras pura e como eu gostava de te ver olhar para as tuas roupas. Tinhas sempre um ar encantador. Deixavas-me encantado.
Tu sabias vestir-te e que maneira. Sabias do que eu gostava de ver em ti.
Calças de ganga e bota eras matadora mas matavas-me de vestido. E morri muitas vezes. Principalmente no Verão. Morria feliz e sabias disso. Oh, minha querida tu de vestido eras mesmo qualquer coisa e o vestido até podia ser qualquer coisa agora tu? Tu não. Tu não eras coisa qualquer.
Quando íamos á Marina, fosse qual fosse, e tu me largavas a mão davas uns bons passos para a frente. Já sabia o que ias fazer e adorava. Davas os passos e, de vestido, rodopiavas duas vezes e começavas a dançar. Tu. Tu que não gostavas nada de dançar. Ensinei-te o que sabia e eras melhor que eu. Dançavas até os meus passos se debaterem contigo e beijavas-me. Cada beijo uma profecia cada olhar uma alquimia.
Cativaste-me pouco desde que te vi. O pouco para mim já era muito visto que era pouco cativado por mulheres. Não me perguntem porque mas é a verdade. Olhava muito para ti e tu apercebias-te disso. Gostavas. Não julgava que isto iria ter esta dimensão sou sincero, cativavas-me mas não pensava que tão pouco que para mim já era tanto se tornasse pouco em tanto. Davas uma grande gargalhada quando te dizia que eras a minha primeira namorada. Não percebia o porquê. É suposto começar a namorar logo aos quinze ou aos doze? Que eu saiba não á idade certa para isso. Tu rias-te mas depois de te dizer isto aceitavas a minha "teoria" e dizias
"Pronto, pronto. Novato!". A gargalhada agora era minha refém. Gostavas da minha gargalhada. Era alta e sonante.

Levaste-me ao trabalho como de costume. Tinha carta mas medo de conduzir depois de um despiste que tinha tido. Não gostava de falar disso. A causa não foi álcool nem excesso de velocidade porque nem bebo álcool nem gosto de grandes velocidades. Foi somente óleo na estrada num curva e despistei-me. Parti o braço esquerdo. Ainda bem assim ao menos ainda podia escrever. Já te conhecia na altura mas ainda não gostava de ti. Ainda bem que tudo aconteceu sozinho. Nunca me perdoaria se te tivesse acontecido alguma coisa.
Falávamos mais no carro que qualquer estação de rádio possa imaginar. Sobre tudo. Era o nosso tema. Era porreiro. Era um tema abrangente. Dava para muito tempo e tempo era coisa que estava a nosso favor.
Éramos "invejados" por muitos dos meus, teus nossos amigos. Estamos sempre melhor do que parecia aos outros. E gostávamos de manter as coisas assim.
Eu tinha um defeito e tu um feitio. Eu o defeito de viver sem te dizer que te amava. Tu o feitio de viver sem um "Amo-te" de quem te amava. E amava-te muito. E amo-te. Apenas não te dizia. Tu aceitavas viver assim. Eu vivia assim porque tu aceitavas.
Nunca pensava no fim nem que o nosso amor iria terminar. Uma vez mais fui, como de costume, estúpido. Nós homens somos impressionantes. Erramos mais que as mulheres, não admitimos, e voltamos a errar. Não tomamos aquilo como um erro mas sim como uma medida que tinha de ser feita no momento. Estúpidos. É a palavra que mais nos engloba. Somos homens. Temos bom coração isso não se duvida. Sabemos utilizar bem o coração. Aí, mulheres duvidem sempre.
Dizias que o que mais querias era ouvir um "Amo-te" meu. Da minha boca. Querias ouvir. Porque escrito já te tinha escrito. No carro quando chovia e o vidro ficava embaciado. Aí escrevi algumas vezes. Depois desisti. Vi que para ti não era a mesma coisa. Também não era a mesma coisa para mim. Mesmo assim tentei.
Estúpido.
Tinhas um pedido tão simples que mais tarde de simples não teve nada. Oh minha querida realmente só damos valor ás coisas depois de as perder.
Tu perdeste. Eu não ganhei nada com isso. Aliás não ganhava nada quando perdias. Nem mesmo quando jogávamos á sardinha.
Tu fazias instrumentais num estúdio teu. Tinhas dinheiro é verdade. Mas ganhavas bem com o que fazias. Fazias bons instrumentais que aliás algumas bandas utilizavam. O teu talento valeu-nos bons concertos ao vivo.
Dito dia, telefonaste-me a dizer que te sentias inspirada e que tinhas de ficar mais tempo no estúdio. Eu respeitava sempre as tuas inspirações. Respeito mutuo não nos faltava. Disse
"Tudo bem. Eu peço ao Afonso ele leva-me. Beijo." Disseste-me para adiantar o jantar. Cozinhava bem e tu não gostavas de cozinhar. Preferias lavar a loiça. Eu preferia comer.
Ainda hoje não percebi como é que tal coisa foi acontecer. Isso e o que aconteceu ao Bolo de chocolate que tinha feito num sábado á noite para comer ao pequeno-almoço de domingo e que desaparecera. Tu juraste a pés juntos que não tinhas comido nem uma fatia. Eu juro que não sou sonâmbulo.
Mas o que te aconteceu a ti foi bem pior que o que aconteceu ao pobre bolo. A ti, foram uns simples, mas caros headphones que, te alteraram a vida. A tua e a minha. Foi-me dito quando cheguei ao hospital que tu tinhas ficado sem audição dos dois ouvidos.
Dos dois? Logo dos dois? Mas afinal merecias logo nos dois ouvidos? Eu adorava as tuas orelhas. E continuo a adorar. Amorteci a notícia de pé, recebi-a de rastos. A nossa questão é sempre porquê? Porquê tu? Porquê assim? Porquê agora? A resposta é sempre a mesma. Não recebes resposta.
Passei três semanas contigo no hospital. Passamos três semanas de mãos dadas. Passamos três semanas a trocar olhares. Passamos uma vida juntos.
Como é óbvio tudo se alterou na nossa vida, em casa, com os amigos. Enfim... Trabalhos que ocasiões da vida nos propõe.
Sorrias, apesar de tudo, para mim e ainda gostavas de dormir no meu peito. EU ainda gostava de te passar a mão pelo cabelo. Tu ainda me amavas. Eu ainda te amava. Tu dizias "Amo-te", eu ouvia. Eu dizia "Amo-te" mas tu não ouvias.
A vida levou-me a este ponto de ter tudo na mão e de não concretizar o teu simples desejo. Era simples. Foi simples. Não passava de um desejo teu. Um objectivo meu. Agora. Tarde. Estúpido.
O mais "cómico" no meio disto tudo é que o teu filme preferido continuava a ser o mesmo. Dizias que mesmo sem os ouvir sentias ainda mais o filme e o que nele se passava. Era com o teu actor preferido.
Assim comprei o DVD do teu filme preferido, fiz bolo de chocolate. Agora chorava sempre que via este filme. Eu não chorava em filmes tocantes. As voltas que a vida dá. Pressionei Play e antes de te deitares no meu peito gesticulei que te amava. Disseste-me "Eu sei!". Dei-te a mão e deixei-te apreciar o Kevin que tu tanto gostavas. Assim, eu mal via o titulo do filme caia-me a primeira lágrima, e tu davas o teu primeiro sorriso.

Assim, vimos "As palavras que nunca te direi".




4 comentários:

Anónimo disse...

oh mauro, a serio que a tua imaginaçao pos a rapariga surda? entendi o que quiseste contar, mas de facto tive de me rir quando li que ficou sem a audiçao. foi repentino. esto a gostar muito desta tua faceta :D
quanto ao amo-te, os homens que perderam o seu lado de miudos, tem sempre a dificuldade de conjugar esse verbo. é da sua natureza :D

Mauro Calado disse...

Acontece mais que uma vez as pessoas ficarem surdas por longo uso dos headphones anónimo.
Os homens serão sempre miudos, grandes. Mas serão sempre miudos.
Só era suposto uma pessoa rir-se no fim com o nome do filme. :D

Mauro Calado disse...

E vais continuar anónimo? Ou vais perder o medo de mostrar quem és?

Anónimo disse...

vou continuar anonimo :D mas em post anteriores vi que tinhas la outro anonimo :D parece que somos dois anonimos :D



Vou começar assinar como anonimo 01